CAPITULO UM – DAS INFLUÊNCIAS PSICANALÍTICAS
1.1 O ILUMINISMO, O MATERIALISMO E SIGISMUND SCHLOMO FREUD
Ao
explorar a temática da religião, navegar no contexto sócio-histórico pode ser
uma aventura demasiadamente complicada, se não for decidido qual o norte desta
bússola bibliográfica milenar. Por isso, neste primeiro momento, detenhamo-nos
no início do século XIX, no contexto que forneceu todo pano de fundo para o
desenvolvimento da teoria psicanalítica de Freud, para depois regressarmos aos
contextos mais primitivos da história da religião e, assim, correlacionarmos
religião e Psicanálise, para que compreendamos suas divergências e
similaridades.
Na
Europa do século XIX muitos dos filósofos e cientistas em voga partilhavam do
clima filosófico e científico que convergiu para um modelo denominado
materialista – a grosso modo, o materialismo parte do princípio de que todas as coisas são compostas de matéria e
todos os fenômenos visíveis ou invisíveis são o resultado de interações
materiais; que a matéria é a única substância que permeia o Universo. Esse modelo
filosófico e científico proveio de influência direta dos ideais Iluministas,
que teve sua ascensão na França, na metade do século XVII, e também do
Positivismo de Auguste Comte, com seu apogeu na segunda metade do século XIX
(FARIA, 2003).
O
Iluminismo, que pretendia eliminar as
"trevas" do período medieval, tinha como objetivo a liberdade dos
homens e, por isso, se baseou nas idéias de grandes filósofos da época, como John
Locke, e a sua exposição sobre o Empirismo: para ele não interessavam as idéias
puras e sim abrir-se para a percepção. John Locke atribuía, sobretudo, o
conhecimento à experiência mediante a observação da natureza (WONDRACEK, 2003).
Já René Descartes, teorizou sobre a exposição do problema mente-corpo, em que as
principais questões eram: como o espírito poderia agir sobre a matéria e como
os fatos da consciência poderiam agir sobre o organismo ou o organismo sobre os
fatos da consciência (FARIA, 2003).
A cadeia de filósofos do Iluminismo
também foi fortemente influenciada pelo materialismo dos pré-socráticos, como
Demócrito e Lucrécio, que explicavam os fatos do Universo em termos físicos,
por meio da existência e natureza da matéria – como o materialismo científico
revivido no século XIX. Todas essas idéias foram alinhadas, posteriormente, ao
Positivismo de Auguste Comte que, sem qualquer atributo teológico ou
metafísico, tinha como premissa a busca pelas leis
que regem os fenômenos e fatos naturais, unicamente por meio da observação
objetiva (FIGUEIREDO; SANTI, 2006).
Wondracek (2003) coloca que, no final do século XIX,
A ciência
passa a ser considerada como a única manifestação legítima de Infinito,
dando-lhe conotações quase religiosas, constituindo-se em alternativa às
religiões tradicionais, e em fundamento último das normas éticas. Como
conseqüência, todo sobrenatural, visto como oponente ao científico, é
considerado inimigo do humano e deve ser eliminado (p. 170).
Assim, os filósofos e os cientistas desenvolviam diversas
teorias que, conseqüentemente, colocavam em xeque o valor científico da época –
valores estes que sempre estiveram intrinsecamente ligados à teologia e à religião.
Inúmeros debates, confusões e exageros envolvendo
teólogos, filósofos e cientistas eram cada vez mais freqüentes, pois, de um
lado, se defendia a origem de todos os seres humanos provenientes apenas de um
casal humano ou de alguma entidade divina e, do outro, admitia-se vários casais
humanos primordiais, como o fisiologista Carl Vogt, com sua obra Köhlerglaube
und Wissenschaft [Fé de carvoeiro e Ciência]; e a obra do médico Ludwig
Büchner, Kraft und Stoff [Força e Matéria], de 1853, que explana e expõe
a interação entre matéria e suas forças – esta última foi reproduzida em mais
de vinte edições e é considerada, até hoje, a bíblia dos
científico-materialistas. Para completar, 1859, seis anos após a publicação de
Büchner, Charles Darwin trouxe à tona sua obra On the Origin of Species [A
Origem das Espécies], que, embora muito bem quista pelos cientistas
materialistas, foi condenada por diversos filósofos e teólogos por desafiar a
interpretação da criação bíblica, pois trazia à tona a perspectiva de que o
homem apenas era um animal com um cérebro bem desenvolvido (KUNG, 2006).
Com
a ampla divulgação dessa série de publicações no cenário acadêmico científico, o
ateísmo na Europa se tornava cada vez maior. Na Alemanha a transformação
cultural por causa do embate científico-religioso era ainda mais evidente, pois
a reforma educacional que ocorrera no começo do século XIX, com base nas idéias
materialistas, permitia que os professores universitários escolhessem
livremente o tema e o método de como as matérias seriam abordadas e, assim, o
resultado dessa liberdade educacional permitiu a aplicação de diversos métodos
experimentais que possibilitou, em pouco espaço de tempo, uma impressionante
evolução da ciência moderna. Evolução esta que beneficiou principalmente a
Psicologia, que integrava dados de diversas áreas e que era conhecida por descrever
e mensurar as diferenças individuais. Por mais que população dos séculos
anteriores, XVII e XVIII, fosse assídua frequentadora de igrejas, depois dessas
publicações da segunda metade do século XIX, onde quer que se vasculhasse por
informações a respeito da ciência e da religião se encontraria “um vasto campo
de batalha, repleto de credos envelhecidos e modernas heresias, e animado pelos
heróicos frenesis de novas seitas” (GAY, 1992, p. 23).
Teólogos
e cientistas lutavam para demonstrar suas verdades. Andrew Dickson White – que
embora fosse cientista estava do lado dos teólogos – definiu que “o mundo
necessita é mais religião, e não menos; mais devoção à humanidade, e menos
pregação de dogmas”. (WHITE apud GAY,
1992, p. 32). Já John William Draper – um dos porta-vozes da ciência materialista
do século XIX e autor do livro History of
the Conflity between Religion and Science [História do Conflito entre
Religião e Ciência] – acalorou o conflito com a definição de que o Cristianismo
Romano e a Ciência têm seguidores absolutamente incompatíveis e, por isso “não
lhes é possível existir lado a lado. Um deve capitular diante do outro. A
humanidade tem que fazer sua escolha – não pode ter os dois.” (DRAPER apud GAY, 1992, p. 31).
O
cenário teológico e científico da Europa fervilhou com a publicação de obras de
contestação e, assim, ao final do século XIX, o cenário filosófico científico
convergia cada vez mais ao materialismo científico. E foi no cenário de disputa
entre Igreja e Ciência que nasceu Sigismund Schlomo Freud. Essas lutas
constantes perduraram durante décadas. E elas foram observadas por Freud, não
com menos interesse, enquanto crescia, entrava na universidade, se estabelecia
como médico e desenvolvia a psicanálise (KUNG, 2006).
A questão é: Freud fora influenciado diretamente por todo esse cenário da época?
1.2 FREUD
– RELIGIÃO E PROFISSÃO
Logo
que nascera, em seis de maio de 1856, na cidade de Freiberg, na Morávia (atual
República Tcheca), Freud foi submetido aos cuidados de uma babá de origem
tcheca, devota católica apostólica, que o levava às diversas igrejas de
Freiberg, onde ouvia pregações sobre o “bom Deus” e também sobre o céu e o inferno.
E, em sua casa, Freud, por incentivo dessa babá, imitava os rituais litúrgicos,
pregando-os e explicando-os para todos (GAY, 1989).
Vários autores têm se ocupado sobre a influência
da babá de Freud em sua vida, pois ser criado por duas mães (sua mãe real e sua
babá) pode ter despertado em Freud a razão de seu interesse por grandes
personagens que também tiveram duas mães, como Édipo, Moisés e Leonardo da
Vinci, que por meio do estudo da história desses personagens, possibilitou o
desenvolvimento de sua teoria acerca da religião e experiência religiosa. Além
do mais, eram duas mães completamente diferentes, uma (a babá) era católica,
mais amável, cuidava e dava carinho, a outra (a mãe) era judia e nos seus
primeiros anos de vida apenas lhe atendia para as necessidades físicas
(RIZZUTO, 2001).
De
fato, como Freud confessa a Fliess em uma carta enviada em 3/10/1897, a sua babá
o despertou para os rituais religiosos católicos – totalmente diferentes da
cultura judaica de sua família – e também aos conflitos que futuramente o
ajudariam a desenvolver o Complexo de Édipo, tão importante para Freud nas
questões ligadas à religião e religiosidade do indivíduo:
Só posso esclarecer que [...], em meu
caso, o ‘originador primordial’ foi uma mulher feia e idosa, porém esperta, que
muito me ensinou sobre Deus Todo-Poderoso e o inferno e que infundiu em mim uma
opinião elevada sobre minhas próprias aptidões; que, mais tarde (entre dois
anos e dois anos e meio), minha libido voltada para a matrem [mãe] foi despertada, a
saber, por ocasião de uma viagem com ela de Leipzig a Viena, durante a qual
devemos ter passado a noite juntos e devo ter tido oportunidade de vê-la nudam
(p. 269)
Até que, quando estava com seus dois anos e meio,
sua babá foi presa por roubar a propriedade dos Freud. Com a prisão da babá,
Freud passou a ser educado integralmente por sua mãe, Amelie e, apenas quando
ele completou seis anos, deu-se início aos ensinamentos da religião judaica.
Como ele mesmo afirma em sua obra Um Estudo
Autobiográfico, de 1925: o “[...] profundo interesse pela história da
Bíblia (quase logo depois de ter aprendido a arte da leitura) teve, conforme
reconheci mais tarde, efeito duradouro sobre a orientação de meu interesse” (p.
16). Mas, Freud (1900), demonstrava-se bastante desconfortável com os
ensinamentos judaicos de sua mãe, como aponta em uma passagem de A Interpretação dos Sonhos:
Quando eu tinha
seis anos de idade e recebi a primeira lição de minha mãe, tive de acreditar
que somos feitos da terra e que à terra teremos de voltar. Isso não me
agradava, e eu duvidei dessa doutrina. Então minha mãe esfregou as mãos uma na
outra [...] e me mostrou as escamas enegrecidas que se desprendem da epiderme,
como prova de que somos feitos da terra (p. 178).
Mas a influência religiosa de Freud não parou por aí,
pois, depois, quando foi à escola, Freud continuou a aprender a história
bíblica e o hebraico com o professor Samuel Hammerschlag, que manteve uma
importante amizade ao longo de sua vida para discussões e críticas a respeito
da religião (KUNG, 2006).
Em seu círculo de amizades, Freud mantinha poucos
amigos não-judeus e era constantemente marginalizado e humilhado por parte de
cristãos anti-semitas. Essa marginalização o acompanhava também nas ruas e se
estendia aos seus familiares. A exemplo, há o relato de quando Freud presenciou
a humilhação sofrida por seu pai em que lhe arrancaram o gorro com um tapa e
disseram: “Desce da calçada, judeu!”. Seu pai não reagiu, e isso suscitou em
Freud um grande desejo de ódio e vingança, além de abalar o respeito na fé
cristã e em seu pai (GAY, 1989). E, aos 17 anos, quando foi à universidade,
essas humilhações não deixaram de ser constante, o que lhe proporcionou
consideráveis desapontamentos. Como o próprio Freud (1924) afirma:
[...] esperavam
que eu me sentisse inferior e estranho porque era judeu [...] Recusei-me de
maneira absoluta a fazer a primeira dessas coisas. Jamais fui capaz de
compreender porque devo sentir-me envergonhado da minha ascendência ou, como as
pessoas começavam a dizer, da minha ‘raça’ (p. 16).
Mas,
mesmo nesse universo onde os judeus eram mal vistos, Freud conseguiu encontrar
uma pessoa que o acolheu, se transformando em seu “segundo pai” (KUNG, 2006, p.
18). Esse homem era Ernst Brücke e ele apresentou à Freud o solene juramento da
Escola Médica de Helmholtz: dar vigor à verdade de que não existem no organismo
outras forças que as físicas e químicas (WONDRACEK, 2003).
Brücke
também confiou a Freud, inicialmente, o problema do sistema nervoso que
permanecia irresoluto nos estudos de histologia da época, e assim Freud se
dedicou por anos até finalmente resolvê-lo. Depois, também por influência de
Brücke, quando recebeu tardiamente seu título de doutor, abandonou os
laboratórios no qual dedicara seus estudos de 1876 a 1882 e optou por atuar
como assistente clínico no Hospital Geral de Viena (FREUD, 1924).
Nesse
ínterim, Freud conheceu um dos mais renomados médicos de Viena, Josef Breuer,
com quem começou a discutir e partilhar seus interesses científicos. Também se
tornou docente de Neuropatologia na Universidade de Viena e se casou com Martha
Bernays, muito embora os pais da noiva não aprovassem o casamento pelo fato de
Freud ser pagão. Mas, logo, Martha, influenciada pelo marido, também abandonou
os rituais judaicos. (KUNG, 2006). Além disso, Ernst Brücke lhe conseguiu uma
bolsa na clínica de doenças nervosas de Jean Martin Charcot, em Salpêtrière.
Lá, Freud iniciou seu aprendizado sobre histeria e hipnose e se impressionou
muito com as técnicas de Charcot: “O que mais me impressionou enquanto privei com
Charcot foram suas últimas investigações acerca da histeria, algumas delas
levadas a efeito sob meus próprios olhos” (FREUD, 1924, p. 20).
Quando
retornou à Viena, a fim de organizar seus estudos e descobertas de maneira
sistemática, Freud se deparou com uma sociedade científica que desacreditava
totalmente em seus novos métodos aprendidos. Apesar de não compreender, Freud rompia,
gradualmente, com os diversos ideais científicos recorrentes da época,
incluindo o solene juramento da Escola de Helmholtz e, por isso, pediu demissão
do Hospital Geral de Viena (GAY, 1989).
No
dia 25 de abril de 1886, Freud passou a atender em sua clínica particular. Foi
nessa época que Breuer se tornou ainda mais amigo de Freud e passou a ajudá-lo
em suas difíceis circunstâncias financeiras enviando-lhe alguns pacientes. Em
1889, para tentar melhorar seu orçamento, Freud foi a Nancy para aprender as
técnicas de sugestão hipnótica com Berheim e Liébault e, quando de lá voltou,
ao discutir esses métodos com Breuer, Freud tomou conhecimento aprofundado do
caso de Bertha Pappenheim (Anna O.), uma histérica que Breuer havia atendido
entre 1880 e 1882. Freud descobriu que Breuer chegara a um novo método de
tratamento. Ele levava Anna O. a uma hipnose profunda e a induzia a expressar
em palavras a fantasia emotiva que a dominava naquele momento. Desse modo, ele
descobriu que esses sintomas eram resíduos de situações emocionais vividas por
Anna O. quando seu pai estava enfermo, de cama. Foi assim que Breuer verificou
que, geralmente, “o sintoma não era resultado de uma única cena traumática, mas
resultado de uma soma de grande número de situações semelhantes” (FREUD, 1924,
p. 27).
Esse
artifício foi utilizado por Breuer diversas vezes e, após longos e penosos
esforços, ele conseguiu aliviar os sintomas de Anna O. Mas, o momento decisivo
para a sua cura veio após um acesso de hidrofobia em que, durante a hipnose,
Anna O. resmungou sobre a senhora inglesa que a acompanhava diariamente,
descrevendo em tom de grande repugnância como, certa vez, ela vira o cãozinho
dessa senhora bebendo num copo. Naquele momento, diante da cena, Anna O. não
disse nada à senhora, pois quisera ser gentil. Mas, agora, sob hipnose, ela podia
exteriorizar energicamente a cólera que havia contido, e só depois disso ela
foi capaz de pedir para beber alguma coisa sem qualquer dificuldade e, então,
Breuer a despertou da hipnose com o copo nos lábios (GAY, 1989). Depois desse episódio
hipnótico em que Anna O. foi capaz de relatar seu sintôma, a perturbação dela
desapareceu de uma vez por todas. E esse método foi chamado por
Breuer e Freud de catarse (KUNG, 2006).
Em
1893, Freud convencera Breuer a publicar a primeira obra aprofundada sobre esse
assunto sob o título de Studien über Hysterie [Estudos sobre Histeria],
em que havia o caso de Anna O. somado a outros relatos de pacientes de Freud e
de Breuer. Após a publicação, que apenas ocorreu dois anos depois, em 1895,
essas idéias não foram bem aceitas pelo círculo vienense de médicos e Breuer
viu sua reputação abalada, mas Freud continuou suas pesquisas descrevendo novos
conceitos de processos psicológicos à nova teoria, abandonando termos e
conceitos fisiológicos que anteriormente eram empregados em suas publicações
neurofisiológicas. Essa mudança teórica ocasionou, conseqüentemente, o fim da
longa amizade de vinte e cinco anos com Breuer, que discordava dos novos
caminhos de Freud. (FREUD, 1924).
Apesar
do término da amizade, Freud alega que o surgimento da psicanálise só foi
possibilitado devido a sua convivência com Breuer e, diz também que,
inicialmente, suas atribuições de novos conceitos psicológicos para o esboço da
sua teoria partiram do aprofundamento dos estudos das idéias de G. T. Fechner,
estudioso da Psicologia Experimental, que exerceu grande influência não só
nele, mas também em seu mentor Ernst Brücke. O abandono de termos e conceitos
fisiológicos aconteceu, pois Freud desenvolvia agora o dinamismo da psique
humana, em que ele acreditava haver um jogo de forças, de início obscuro e
inacessível ao conhecimento direto, por não possuir um plano preestabelecido,
porém, esse jogo de forças, era capaz de gerar toda atividade psíquica (KUNG,
2006). E essa atividade psíquica obscura e dinâmica, Freud nomeou de
inconsciente, que é constituído de conteúdos recalcados e que foram recusados
ao acesso à consciência por representarem pulsões, ou seja, pressões ou forças
que fazem o indivíduo tender a um objetivo para suprimir os estados de tensão (geralmente por meio de
sonhos ou sintomas corporais). Para que esses conteúdos
reprimidos sejam trazidos à consciência, deve haver uma ação conjunta entre o
paciente e o terapeuta. Freud percebeu que nem a sugestão hipnótica e nem a
catarse dariam conta de satisfazer essa ação conjunta e a única maneira de
solucionar esse impasse era deixando que o paciente falasse tudo e realmente
tudo que lhe passasse pela cabeça, mesmo que parecesse estranho, bizarro e sem
sentido; a essa prática Freud deu o nome de associação livre. E, obviamente,
essa associação livre também dependeria da relação positiva ou negativa do
paciente para com o analista, ou seja, a transferência, ou do fenômeno inverso,
a contratransferência (LAPLANCHE; PONTALLIS, 2005).
Freud,
depois de compreender a dinâmica dos conteúdos oníricos, publicou a obra que,
além de abranger as teorias de associação livre e a hipótese do inconsciente, é
considerada por muitos como a obra inaugural da Psicanálise: A Interpretação dos Sonhos, datada de
1900. O próprio Freud, em Um Estudo
Autobiográfico (1924), considerou A Interpretação dos Sonhos como a
maior e mais importante contribuição da Psicanálise para o pensamento
pós-moderno do século XX. Nela também está explicitada a hipótese do
inconsciente, que, para Freud, é a via régia para a interpretação dos sonhos.
Os sonhos, que embora pareçam incoerentes e estranhos, possuem sentidos quando
investigados, pois “são realizações mascaradas de um desejo reprimido, que,
portanto, necessita de interpretação” (KÜNG, 2006, p. 27).
Diz-se
que essas realizações mascaradas são censuras tão reprimidas que durante o sono
esse material aparece distorcido. Isso acontece devido à compensação das
instâncias da psique, que Freud definiria mais tarde, como: o Id [Isso], que é
o pólo primitivo da personalidade do indivíduo, e seu conteúdo é uma expressão
pulsional que pode ser inconsciente e inata, ou mesmo o resultado de um
recalcamento; o Ego [Eu], tido como o pólo defensivo e intermediador dos pólos
Id e Superego à personalidade; o Superego [Supereu] atua como um sensor, uma
consciência moral do ego, tanto à auto-observação como na formação de ideais; e
é resultado do Complexo de Édipo (vivido entre os 2 e 5 anos) que é
caracterizado pela intensificação da dualidade amor e ódio sentidos pela
criança em relação seus pais, sendo que o amor costuma comparecer, na maioria
das situações, de forma cruzada, suscitando o ódio ao genitor do mesmo sexo,
que seria então um rival a ser combatido e superado no caminho da consumação da
relação incestuosa, com o genitor do sexo oposto (LAPLANCHE; PONTALIS, 2005).
Freud
ressalta que não há como saber quanto tempo após o nascimento o Complexo de
Édipo se desvela, mas afirma que o período entre dois e quatro anos são os mais
importantes (FREUD, 1938). O Complexo de Édipo já era confidenciado por Freud a
Fliess em suas correspondências, ainda quando realizava sua auto-análise:
Descobri, também
em meu caso, o fenômeno de me apaixonar por mamãe e ter ciúme de papai, e agora
o considero um acontecimento universal do início da infância, mesmo que não
ocorra tão cedo quanto nas crianças que se tornam histéricas (Carta
Freud-Fliess de 15/10/1897 apud Masson,
1986, p. 273).
Mas
então como a psicanálise lida com a religiosidade se tudo converge para e
relação edípica e suas conseqüências neuróticas?
Na
obra La psychanalyse et le religieux
[A psicanálise e o religioso], de 2008, o autor Phillipe Julien ressalta que a
religiosidade provém, “primeiro de uma incapacidade física de ajudar a si
próprio e, portanto, de uma necessidade de ajuda” (p. 15). Uma das explicações
de Freud é que a religiosidade é resultante da personificação daquilo que o
indivíduo não compreendeu (que ele reprimiu), mas que ainda deseja compreender.
E esse desejo pela compreensão pode ser buscado pelo indivíduo num conjunto de
crenças, ritos, regras e especulações, que contém ou produz sua própria exegese
e seu próprio sistema de justificações, ou seja: a religião (MALAMOUD, 1996).
REFERÊNCIAS
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A. L. O materialismo na psicologia e na psicanálise. In: WONDRACEK, K.H.K. (Org.) O Futuro e a
Ilusão:
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FIGUEIREDO,
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uma (nova) introdução; uma visão histórica da psicologia como ciência. 2ª
ed. São Paulo: EDUC, 2006.
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1980. v. IV.
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15ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
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P. Um Judeu sem Deus: Freud, Ateísmo
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P. A psicanálise e o religioso:
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Campinas: Versus Editora, 2006.
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J.; PONTALIS, J.B. Vocabulário da
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MALAMOUD,
C. Psicanálise & Ciência das Religiões. In: KAUFMANN, P. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise:
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MASSON,
J. A correspondência completa de Sigmund
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A. M. Por que Freud rejeitou Deus?
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WONDRACEK,
K. H. K. Freud, Pfister e suas ilusões – Que ciência? Que religião? In: ______.
O Futuro e a Ilusão: Um embate com
Freud sobre Psicanálise e Religião. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. p. 167-200.
Só comentando que gostei da mudança do blog, ficou lindo. Agora me dá licença que vou ler seus dois últimos post, que preciso de tempo e atenção pra ler tudo.
ResponderExcluir- obrigado pelo elogio do layout.
ExcluirEspero que goste dos novos posts.
Até mais, Ana!
Só por curiosidade, Luís, porque eu não procurei ler a sua bio ainda: qual a sua profissão?
ResponderExcluirTe vejo um excelente professor. Beijos!
- olá, Thaís.
ExcluirEu sou psicólogo.
E muito obrigado pelo elogio... um dia eu pretendo dar aula, rs.