para entender, é necessário ler o primeiro capítulo:
In my defense, sustento que somos parte
constante e indissociada do todo. Tudo o que vemos e sentimos está registrado
em nossa mente. Não na mente enquanto cérebro ou enquanto estrutura nervosa e
material, mas naquela porção do abismo profundo chamada de inconsciente, de
abismo dos desejos e das vontades e que, muitas vezes, indiretamente se
disfarça de intuição e traz respostas às questões ditas extrínsecas por meio de
vozes ou sinais intrínsecos.
- Vem.
Vamos... – ela me puxou pelas mãos sem mais explicações.
Depois de
cruzarmos o parque de longas árvores no harbourfront,
ela me conduziu para um caminho paralelo à Le
Avenue até chegarmos a uma rua que me pareciam os becos estreitos de Quebéc.
Havia alguns pilares luminares envoltos por camadas espessas de folhas
virentes. Nem parecia que entraríamos no outono. Havia também algumas casas e
algumas groceries stores que, até
então, me eram desconhecidas na cidade. Eu jamais havia passado por ali.
- Vamos parar
por aqui... – era um pequeno café que estava aberto. – It is better than Second Cup, I swear.
Fizemos nosso
pedido e nos sentamos perto das janelas de vidro.
- Descobri
esse lugar há pouco tempo. É aqui que venho quando busco inspiração. When I wanna think what I am doing with my
life... – tragou seu café, olhou para o velho alley que fora nosso caminho até ali e continuou: – Devo confessar
que apesar de louco, foi bom encontrá-lo.
- Hey, listen... Por que você decidiu vir?
- É bastante
difícil cruzarmos com alguém que queira falar sobre essas coisas que, para mim,
fazem parte da vida. Desde que me mudei para cá, não tive mais a possibilidade
de ter esse tipo de conversa com mais ninguém. I understand that people consider this
kind of conversation boring or even heavy, you know. Entendo também que muitas
vezes achamos mais fácil deixar passar, como se houvesse outras oportunidades
sórdidas para se discutir a respeito, mas acho que deixei essas questões de
lado por muito tempo e tenho me sentido bastante vulnerável ultimamente.
- You speak as
if you were not part of a body – respondi.
De volta,
como resposta, tive o seu sorriso... and
solely this.
Realmente me
parecia que você não precisava dizer muito a respeito de si. Suas expressões da
face, seus gestos, seus olhos encabulados e suas emoções confusas falavam por
si mesma. Experimentar esses longos momentos de silêncio, era sinônimo de estar
em seu íntimo, de conhecer sobre suas verdades e sua mais densa rotina. O maior
enigma eram seus olhos entrecortados que tangiam os momentos dessa realidade a
dois de uma forma dividida: entre seu âmago e nossa mesa de café.
- Well, I think we should get going... – disse você
interrompendo nosso diálogo de silêncios.
Ao sair do
café, olhei ao redor, mais uma vez, para guardar a lembrança daquele local
desconhecido. Meu relógio registrava as últimas horas da madrugada.
- ... and where are we going now? – perguntei
olhando os becos ao redor.
Sem
responder, você segurou minha mão, apoiando seu rosto em meu ombro – como que
buscando conforto e proteção. Enquanto andávamos, você olhava para o chão, para
os seus passos tímidos e apressados. Deixei que comandasse nossa jornada, mesmo
não sabendo nosso destino. Nosso diálogo com o silêncio ainda perdurou por algumas
quadras, até que você estancou os passos de uma forma repentina. Senti apertar
minha mão contra a sua. Seemed that you
were seeking yourself in the deep of my eyes – abrindo a janela da minha
alma. Seus olhos marejaram.
- I don’t
know why, but my head is always concerning on to-be. Preocupada com essa busca interior e com esse desejo de
compreender o que de fato sou. Por que não posso ser outra coisa que não isso?
As lágrimas
desciam-na à face.
- Muito
obrigado por ter vindo comigo até aqui... – disse-me enquanto procurava suas
chaves. Na sua face enrubescida e marejante, a hesitação. Senti seus lábios
receantes. Seus olhos escaparam dos meus e, por fim, um pedido embaraçado em
pigarros: – Hey, look! There, on the
other side of the street, is my apartment. Gostaria de subir? – perguntou-me tímida, olhando para as chaves.
Uma
oportunidade de conhecer o seu íntimo. De continuar nosso diálogo sobre o que
somos e significamos.
- Yes, that
would be nice.
Você morava
no sétimo andar, 78. Quando abriu a porta, o rádio estava ligado e tocava uma
de minhas músicas favoritas.
- Quer mais
café? – perguntou enquanto jogava suas chaves sobre a mesa.
- Sim. O meu
acabou pouco antes de chegarmos perto da sua casa.
- OK. Vou fazer para nós dois.
A acompanhei
até a cozinha, sentando em um dos bancos do countertop.
- Você mora
sozinha?
- Sim. Meus
pais permaneceram na Hungria.
- My gosh! Hungria?
- É, eles têm
uma pequena fazenda de culturas no interior de Veszprém. Eu vivi lá até meus 20 anos. Também os ajudava com a
criação de culturas e sempre ia para a velha downtown vender os frutos de nossa colheita em nossos conhecidos farmer’s market. Depois, meus pais
decidiram me enviar para cá para estudar. Fazer o College e a University... you know, same shit as a lot of people that comes from abroad.
- E você já
alcançou seus objetivos?
- Bem,
terminei o College, na OCAD. Graduei
em Contemporary Arts, no ano passado
e, este ano, me dei férias. Inclusive, aqueles maricas do palco são meus amigos
de lá.
Ri.
- E você? –
ela perguntou enquanto terminava de calcular a medida de café para nós – o que
faz aqui em Toronto? Também não me parece ser um torontonian.
- Não, eu não
sou. Estou aqui desde o ano passado. Vim numa viagem a negócios. Mas desisti de
tudo quando conheci Toronto.
- Really? E o que você fazia?
- Trabalhava
com executive search. E vim para cá
procurar alguns executivos do centro financeiro de Toronto e convencê-los a ir
comigo para as regiões de São Paulo, no Brasil. Mas depois de conhecer os pubs, The Islands, Bloor e Younge, e também os centros culturais
dos bairros de Toronto, decidi desistir de tudo e ficar por aqui.
- Wow... você realmente é bem louco,
sabia?! E está vivendo do que agora?
- De arte.
Misteriosamente, a galera do Kensington
Market adora minhas telas e, assim, mensalmente, distribuo minhas produções
no Wanda’s Pie in the Sky e eles se
encarregam de vendê-las. Além disso, os pubs pagam uma grana legal por noite. Não
ganho como se fosse um Senior Recruiter
da empresa em que trabalhava, but I
confess, I am happy!
- So you are also an artist, hun?
- É... eu não
estudei como você, o que me torna um amador de sorte!
- I would like to see your canvas. Confesso que fiquei curiosa.
- Um dia
podemos dar um pulo em Kensington
para que você possa dar uma olhada nos trabalhos que estão expostos. Be glad in showing you all of them.
- Você não se
arrepende de ter feito essa loucura?
- Bem,
somente me arrependo de ter desistido do trabalho sem concluir o processo de executive search que me foi proposto
quando cheguei aqui. Os meus co-workers
ficaram muito putos comigo e ameaçaram me processar pelo fato de eu ter dado
prejuízo a eles. Numa tentativa de me redimir, devolvi o dinheiro que
investiram em passagens e em custos de hotéis, mas isso não ajudou a melhorar a
imagem deles com os clientes dos bancos internacionais alocados no Brasil e que
ficaram de mãos vazias. Anyway, foram
dois meses de negociação, mas no fim eles me entenderam e aceitaram a grana que
ofereci devolver.
- Aqui, seu
café. Vamos para a sala, lá podemos
continuar nossa conversa mais à vontade.
Enquanto íamos
em direção à sala, pude ver a enorme quantidade de retratos e de montagens em
alguns dos corredores. Possivelmente, seus trabalhos.
Você se
sentou no sofá, suspirou profundamente olhando para a sua caneca de café.
Trazia um sorriso triste no canto dos lábios. Parecia se tratar daquelas
memórias que insistem em saltar à retina nos momentos em que nos sentimos mais
introspectivos. Tentando se distrair, olhou através da bay window, e lá a noite vestia-se dos primeiros raios de sol.
- This dawn... – escutei-a resmungar
baixinho e, depois, emitir outro suspiro triste.
- Hey – interrompi o seu momento – você
tem um violão?
Você balançou
a cabeça de forma afirmativa e foi em direção ao seu quarto. Não demorou muito
até que me trouxesse um velho Taylor
com cordas de nylon. Me sentei em seu
tapete para afiná-lo e você me assistiu enquanto continuava na minha tentativa
de decodificar suas memórias.
- Desde o
momento que nos beijamos pela primeira vez, no harbourfront, estava com vontade de tocar uma música. Mas, somente agora,
enquanto você olhava pela bay wondow,
é que me dei conta o quanto você verdadeiramente a representa. E, independentemente
do que ocorra, provavelmente, esta canção me fará lembrar você depois que eu
for embora daqui.
- E qual
seria essa canção?
- Well… hope
you like it!
A última
coisa que registrei antes de iniciar a velha canção foi você descansar sua cabeça
em seu braço e me observar de forma contemplativa, esperando o que estaria por
vir. Cerrei meus olhos e iniciei com os acordes.
Time
has told me
You're a rare rare find
A troubled cure
For a troubled mind.
You're a rare rare find
A troubled cure
For a troubled mind.
And
time has told me
Not to ask for more
Someday our ocean
Will find its shore.
Not to ask for more
Someday our ocean
Will find its shore.
So
I`ll leave the ways that are making me be
What I really don't want to be
Leave the ways that are making me love
What I really don't want to love.
What I really don't want to be
Leave the ways that are making me love
What I really don't want to love.
Time
has told me
You came with the dawn
A soul with no footprints
A rose with no thorn.
You came with the dawn
A soul with no footprints
A rose with no thorn.
Your
tears, they tell me
There's really no way
Of ending your troubles
With things you can say.
There's really no way
Of ending your troubles
With things you can say.
And
time will tell you
To stay by my side
To keep on trying
'til there's no more to hide.
To stay by my side
To keep on trying
'til there's no more to hide.
So
leave the ways that are making you be
What you really don't want to be
Leave the ways that are making you love
What you really don't want to love.
What you really don't want to be
Leave the ways that are making you love
What you really don't want to love.
Time
has told me
You're a rare rare find
A troubled cure
For a troubled mind.
You're a rare rare find
A troubled cure
For a troubled mind.
And
time has told me
Not to ask for more
For some day our ocean
Will find its shore.
Not to ask for more
For some day our ocean
Will find its shore.
Logo que
terminei a canção, permaneci por algum momento com meus olhos fechados. Era
como se eu saísse de um transe, de um presságio. Parecia-me que o lampejo da
melodia se desprendera em significados reais para você. E logo essa impressão
se confirmou no som de seu choro, e quando abri meus olhos, no volume de suas
lágrimas.
Abandonei o
violão e me sentei ao seu lado, envolvendo-a em meus braços.
- I don’t know
why I feel so sad and nostalgic. Tenho a impressão de que esse mundo
só existe para devorar. Não caibo em mim. Nessa minha tristeza. Consumo-me de
dentro pra fora... como se me destruísse. Sinto que carrego um fardo. Uma carga.
I am so afraid of dying that, paradoxically, I die gradually, bit by bit, in
everyday’s ruin.
Você então me
abraçou forte. Suas lágrimas também me abraçaram.
Permanecemos
ali, quietos por longo tempo. Tempo suficiente para que o sol ganhasse
livremente o espaço do céu. No seu relógio, oito horas da manhã.
- Ei! Que tal
arranjarmos alguma coisa para o café da manhã? – você não respondeu. Me desfiz
lentamente do nosso abraço e percebi que havia dormido.
- Vamos, vou
levá-la para sua cama; – cochichei em seu ouvido – hold on me. De olhos fechados você balançou a cabeça e me abraçou.
Carreguei-a até o quarto e cuidadosamente descansei seu corpo na cama. Procurei
algo para aquecê-la. Me esforcei para cobri-la de forma que se sentisse
confortável e, de alguma forma, protegida.
- Por favor,
deite-se comigo – bocejou.
Ensimesmado,
concordei.
- OK, I’ll
stay.
Permaneci
estático, olhando para o seu quarto ainda procurando compreender aquilo tudo.
Me sentei na beirada da cama, tirei meus sapatos e esfreguei os olhos.
- Come on,
please... hug me.
Quando olhei
para trás, vi suas mãos estendidas em minha direção. Você estava com os olhos
semicerrados. Dei as minhas mãos a você e a abracei.
- Muito
obrigado – você sussurrou – muito obrigado pela canção do Nick Drake. Thanks for showing me the way.
De olhos fechados, sorri.
Logo o
silêncio tomou conta do ambiente. Senti o seu perfume. Tão similar ao seu humor
melancólico. Enquanto me inebriava desse aroma nostálgico, recordei do que
havíamos passado naquela noite. Your
words... o que pode fazê-la se sentir tão triste? Seria realmente o medo da
morte?
[to be continued...]
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