terça-feira, 30 de junho de 2015

- love in Toronto [pub, confession & the harbourfront]

Toda vez que cerro meus olhos, os seus se abrem dentro de mim.
Memórias de véspera que se conflagram em sensações nebulosas e confusas, mas, ao mesmo tempo, tão reais. Realidade que não consigo compreender. Disperso, luto com a memória dessas cenas. Uma luta solitária. Entre eu e a memória do meu eu sobre você. Injusto. Deve ser por isso que não consigo dormir. But I confess that somente agora compreendo porque você topou de sair daquele pub comigo. Cheguei com meu humor enfado e sinuoso, procurando uma distração com acordes de violão e algumas músicas dos anos 90. Meu setlist era pequeno. Precisaria de trinta minutos. Thirty minutes of you.
E... bem... lá estava você, acompanhando as minhas covers.
Naquela noite, decidi fechar com a canção que sempre representou noites como essa.



Lembro-me, quando os acordes de Nutshell começaram a ecoar. Instintivamente, volvi minha cabeça, de esguelha, only to examine the environment... and, of course, your face. Expressões de passado, de angustia e de tristeza, ritualizavam o sofrimento dos dias: as pessoas afogavam-se nos meandros da madrugada, navegando a braçadas inúteis com os seus pensamentos em seus copos de vinhos e de cervejas.
... e completando o cenário dos aflitos, lá estava você.
Com sua melancolia e sua solidão como luzes de farol. Você adornava o centro de forma lacônica, porém expressiva. E me pareceu atraente o fato de, mesmo estando ao lado de seus amigos, se revelar tão inadequada e estrangeira... como se buscasse por refúgio. Um refúgio interior que podia ser percebido pela janela da sua alma... your eyes. E quando os acordes de violão ecoavam uma vez mais, num torpe lascivo, mas de maneira sublime e hipnótica, fez com que você conjugasse as frases em seus lábios on mute:

“We chase misprinted lies...”

On that moment... on that very moment... quis que você fosse a voz do meu violão. Por isso, respondi a minha satisfação em tê-la me acompanhando na poesia com um sorriso entre lábios. O eco da minha voz tornou-se ímpeto. Você notou e me sorriu de volta, assentindo com a cabeça como se estivesse embalada com a canção. Confesso que me tornei rubor e pejo, e, tal como uma marionete desamparada, reclinei, timidamente, minha cabeça para baixo, depois de um languido sorriso... senti meu dorso contrair – e aquele frio na espinha tomou conta de mim.
Enquanto cantava, permaneci fitando o chão, imaginando o que eu deveria fazer ao fim daquela apresentação. Nunca fui de me relacionar com as pessoas que me ouviam, mesmo aqueles que prestigiavam-me depois do show com críticas que inflavam o meu ego. Sempre agradecia, pacientemente, e me retirava para casa... Mas eu estava decidido a fazer diferente.
Escutei os aplausos.
- Ladies and gentlemen, that was our funeral song – disse o host da noite.
Afoito, abandonei o violão da casa ali mesmo e me levantei. Olhei para você enquanto descia do stage decidido a ir a sua direção. E logo nos primeiros passos, você me identificou na pequena multidão de nostálgicos com aqueles seus olhos de telúrio. Disfarcei meu caminho, tropeçando em direção ao balcão dos esquecidos.
- Uma cerveja, por favor! – disse enquanto lamentava a cena burlesca que acabara de criar.
Minutos depois, assim como a cover de Nutshell, minha cerveja também acabara. Notei que aqueles seus amigos subiram ao palco e foram anunciados para tocar as covers de classic rock dos anos 80.
... enfim, eu tinha agora uma desculpa para me redimir. Respirei fundo. Me detive. Hesitei um pouco, o último gole e...
- Fuck off! – resmunguei enquanto abandonava minha garrafa nas mãos do clerk.
Assumo que eu não tinha nada de impressionante para dizer. Inclusive, lembro-me do momento de fraquejo e também da tensão quando, ali, prostrado a sua frente não me ocorreu nada muito fancy e, por isso, fui honesto.
- Ei! O melhor da noite já acabou quando eu desci do palco, que tal sairmos para conversar em outro lugar?
Ela riu franzindo o cenho.
- Me desculpe, mas agora o melhor vai começar, pois meus amigos estão lá em cima. Não escutou? Vão tocar o velho rock dos anos 80.
- Aqueles maricas são seus amigos? Bullshit! Vir para Toronto tocar poodle metal não é legal. Eles deviam saber disso – mas logo me lembrei que eu não estava ali por causa dos amigos dela – E então? Vamos sair e conversar? Podemos ir a qualquer lugar de Dundas a Bay, o que me diz?
Ela não esboçou nenhum sinal de consentimento, de reprovação ou de indiferença. Continuava olhando para o palco, enquanto seus amigos que lembravam a formação do Poison, terminavam de montar seus equipamentos.
Não houve efeito. Assenti, um pouco envergonhado e sai. Lá fora, a noite de setembro. De fim de verão. Uma madrugada amena. Me recompus.
Iniciaria minha caminhada solitária de volta para casa. É foda!... Sabe, é difícil quando essas investidas não surtem o efeito esperado... Não sou profissional nessa classe de aproximação. Por isso me envergonhei.
- Hey! Alice in Chains is one of my favourite bands. – disse enquanto tragava o velho icy wine, vindo em minha direção. That is why I love your cover.
Sua face triste combinava com seu estilo glam.
- E então... – continuou sua fala agarrando o bolso da minha jaqueta – se eu decidisse não voltar para escutar meus amigos com os clássicos dos anos 80, e ao invés disso fosse com você, sobre o que falaríamos? Aonde iríamos?
Bem, eu sabia que havia milhares de respostas para esta pergunta. E a resposta certa para esta questão não seria uma receita, como uma fórmula que está guardada a sete chaves, esperando para ser descoberta. O que dizer é que era a questão. Apelei para minhas referências românticas, os brasileiros bucólicos do século XIX e XX, mas achei que soaria pedante e piegas e, por isso, no fim, usei da minha verdade.
- Estou interessado em você... Na sua beleza solitária, nesses seus olhos fundos e melancólicos. Também estou interessado em sentir o seu perfume, tocar a sua pele e beijá-la quando não precisarmos mais falar para completar o silêncio. Depois, quem sabe, a dois, poderemos nos conhecer de uma forma mais íntima, mais profunda... literally deeper – sorri enrubescido, mas continuei – De verdade... mas de verdade mesmo! Esse talvez, fora o principal motivo pelo qual eu fitei você desde o momento que estive naquele pub. You are gorgeous. E, também, devo admitir, que eu gostaria de falar com você sobre a vida. Não sobre a minha vida ou a sua. Mas sobre o fato de estarmos aqui, agora, de nos revelarmos enquanto expressões dissonantes, confluindo na busca harmônica dos significados ou na ausência de significados... Não importa... gostaria que tentássemos unir parte do fragmento que representamos, mesmo que somente por essa noite.
Houve um estampido de silêncio, de ausências. Por alguns segundos, sua expressão foi de atonia e de surpresa. Mas, inusitadamente, você lançou a sua garrafa de vinho para o alto, escondendo-se em minhas costas. Os cães latiram bastante emputecidos com o barulho dos estilhados que se estenderam ao nosso redor.
Depois de rir bastante daquilo tudo, você parou em minha frente e concluiu:
- You’re nuts, you know?
- Me desculpe se não é o que esperava, darling! – conclui enquanto chutava, desapontado, os pedaços de vidro para longe – but that is all the true I have.
Sem mais delongas, mais uma vez, me retirei de sua presença e caminhei. Caminhei pela rua ouvindo o som vindo das janelas dos pubs e das esquinas de improviso. Neil Young começou a tocar. A voz daquele cara com seu violão psicodélico e sua gaita de colarinho me acompanhou os passos enquanto eu iniciava minha descida solitária até a Le Avenue.
- Seus amiguinhos dos anos 80 devem muito a essa música.


Com as estrofes da canção do velho Young, evoquei uma vez mais seus olhos e seus lábios do retrato que fiz de você e pude imaginá-la balbuciando Hey Hey My My para mim. Será que você gosta de Neil Young?
Realmente queria que estivesse aqui.
Caminhei em direção ao harbourfront e assisti aos últimos streetcars da TTC cruzarem a avenida com aquelas escassas almas penadas que sobraram da noite. Devem ir pra Dundas for sure! Assisti ao quebrar das ondas toscas e vagarosas, sentando-me num dos bancos perto do cais. O cheiro do mar e da noite... sempre tão inspiradores. Contemplei as luzes solitárias que velejavam sem tripulantes perto da encosta. Naquele espaço silencioso, senti-me como parte integrante da paisagem canadense. Havia em mim uma sensação torpe e indizivelmente melancólica que me enregelava para além da carne. Para conter o fauvismo da alma deitei-me no banco apoiando a nuca com meus braços. Senti as ondas quebrarem como lullabies, e observei o céu, as nuvens negras e as estrelas, e, lentamente, fui embalado pelo som da água... cerrei meus olhos e meditei:
- That is magnificent... A todo instante a vida parece acusar, nos intervalos e nas pausas, a existência de algo maior e mais magistral que não consigo julgar como determinante ou essencial, e sim como integrante de tudo o que me cerca. Nessa noite, inclusive, me parece tão claro que o infinito do que sou é gerado pelas pausas... isso mesmo, pelas pausas. Embora, em primeira instância, quando observo as coisas tão concretas e reais, me pareça paradoxal afirmar que o infinito seja gerado pelas pausas. Mas, sim, sei que o infinito está nestes curtos intervalos. Jamais poderia sentir e experienciar a sensação do absoluto se eu fosse uníssono e constante. Aliás... ouso dizer que estas pausas e estes intervalos é que me tornam uníssono e constante.
- I think you’re right...
Era você novamente.
Percebi seus movimentos próximos à minha face. Suas mãos suaves e macias percorreram os meus cabelos. Lentamente abri meus olhos. Seu olhar melancólico se conflagrava como as linhas imaginárias do mar horizonte. Seus lábios, entreabertos, pareciam buscar a poesia da resposta no silêncio cativo das oscilações das ondas.
É verdade que esse breve momento se tornara maior do que qualquer palavra, do que qualquer gesto. Tudo era maior do que qualquer coisa que compreendêssemos naquele instante. Por isso a beijei. Lenta e carinhosamente. Um beijo tenro e longo.
Depois, como se houvesse acordado de um sonho revigorante, segurei a sua mão repousada em minha face e me levantei, sem pressa. Fitei mais uma vez o alvo de seus olhos, ali estavam todos os seus pensamentos e suas emoções.
Seus olhos... janelas da alma.
Permanecemos admirando a relatividade do tempo sob a perspectiva do mar. A cadeia de movimentos das ondas Hesitei em interromper esse momento imaculado pela simplicidade dessa trama esguelha e, por isso, permaneci segurando sua mão.
... são nesses instantes que, infelizmente, deixamos que o nosso ego nos domine, fazendo escolhas que somente beneficiam a nós próprios. Algo como um infeliz monólogo do eu e não do todo; a tentativa fugidia de explicar o significado do inexplicável e, até mesmo, as erupções de carícias impróprias e lascivas.
- Hey... thank you... – ela balbuciou – thanks for being here.
As ondas quebravam.
- Esse mar me faz lembrar o que uma vez ouvi dizer... – confessou se sentando no chão – que levamos conosco apenas os momentos que imortalizamos. You know, como aquelas cenas reticentes, mas altamente expressivas, similares aos trechos dos filmes do Bergman em que figuram uma experiência de morte, uma perda profunda, o amor de nossas vidas; um dia único; uma conquista... enfim, algo que seja singular e que pode ser revivido nesse breve pregresso da eternidade. Numa cena. Just one scene.
- ... como este breve instante, you mean?
Ela assentiu, virando-se em minha direção.

Realmente. A eternidade estava ali. Para ela, o mar. Para mim, seus olhos cor de mármore.

[to be continued...]

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